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The Middle Way

The Middle Way

20 de Fevereiro, 2018

7 pequenas mudanças que vieram para ficar

JR

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É provável que já seja um pouco tarde para rever o último ano. Mas, à medida que o tempo passa, sinto vontade de sedimentar as coisas. De olhar para trás e ver onde estive e onde estou. O que ficou pelo caminho. O que chegou para ficar.

 

Quanto mais leio e aprendo, mais certezas tenho de que, não sei bem como, cheguei ao caminho certo. Às vezes custa-me acreditar nestas coisas do destino. Mas, a verdade é que um conjunto de infortúnios acasos me trouxe até ao dia de hoje, uma cambalhota inacabada de 180º, pondo-me de pernas para o ar. Ou seria o contrário? Estaria eu, anteriormente, de pés para o firmamento? Será que só agora regressei à posição de pés acentes na Terra?

 

Bastou-me parar por um momento para me aperceber que muita coisa de errado se passa na nossa sociedade. Penso que todos o veríamos com maior clareza se nos dessem tempo para olhar à nossa volta. Se nos dessem espaço para cuidarmos melhor uns dos outros: não existimos sozinhos. Não existimos sem o nosso planeta Terra (pelo menos enquanto não nos catapultarem para Marte!). Está mais do que provado que urge apostar num desenvolvimento sustentável das populações e, para que tal aconteça, várias mudanças profundas têm de acontecer ao nível de todos os sectores mas, principalmente, a nível de cada um de nós. Individualmente. É importante que sejamos interventivos, participantes activos na sociedade e não meros espectadores. 

 

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Em retrospectiva, consegui identificar aquilo que mudei, definitivamente, em mim e nas minhas acções:

 

- Compras a granel e com sacos reutilizáveis (aqui)

Sem dúvida, algo simples de aplicar mas que faz uma diferença enorme no desperdício (alimentar, de plásticos...). Obviamente que não conseguimos reduzir completamente as embalagens. Existem produtos que consumimos que não se encontram a granel. Aceitamos esse facto, mas comprometemo-nos a reduzir o máximo possível.

 

- Diminuição dos descartáveis

Tenho a minha garrafa de inox para a água e os meus copos de bambu para os cafés on the go (um de 400 mL para as bebidas deliciosas do Starbucks e outro para o café expresso). Tenho a palhinha de inox para a pequenina beber o seu leitinho ou suminhos fora de casa. Tenho um kit de talheres de metal para usar em substituição dos de plástico que muitas vezes nos oferecem. Nem sempre conseguimos fugir aos descartáveis, mas tentamos fazê-lo sempre que possível.

 

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- Iogurtes caseiros (aqui)

Já só compramos uma embalagem de vez em quando para podermos fazer mais! Na verdade consigo utilizar uma única embalagem normal de iogurte para fazer 14 iogurtes (e ainda como umas colheres no fim). A minha iogurteira é eléctrica mas, actualmente, existem versões completamente livres de energia (como a Yogurtnest). Não patrocinado

 

Discos de algodão reutilizáveis (aqui)

Nunca mais comprei discos desmaquilhantes! Never more.

 

- Escovas de dentes de bambu 

Fazem o mesmo que as outras e são mais leves! Para além disso, reduzimos a quantidade de plástico não reciclável. Ainda podem encontrar algumas escovas de plástico cá em casa: as que já tinhamos comprado, as que são usadas para a limpeza da casa e as das visitas (espero que esta última parte comece a mudar em breve..:D).

 

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- Detergente da loiça caseiro (aqui)

Escusado será dizer que também não voltei a comprar detergentes da loiça. Uma embalagem grande de sabão de castela líquido dá-me para litros e litros de detergente. Também costumo fazer o lava-tudo que uso no chão. No entanto, com o tempo, reparei que não é tão eficaz nas madeiras e, portanto, apenas uso nas cerâmicas. 

 

- Compras conscientes

É certo que tenho de consumir. Tenho de comprar coisas e as coisas geram lixo e o lixo consome recursos ou polui. Por isso, penso em cada compra que faço. Dou preferência às embalagens de vidro e metal. Escolho produtos com menor impacto ambiental. Reutilizo sempre que possível. Dou preferência às embalagens recicladas. Favoreço as marcas que aceitam as embalagens de volta. Procuro o fair trade e as produções sustentáveis.

 

 

Reflectindo, foram pequenos passos. Lentos, levaram o seu tempo. 

Acredito que, apenas com calma, as mudanças se podem tornar permanentes. 

 

 

 

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11 de Fevereiro, 2018

Bolo de cardamomo, flor de laranjeira e sementes de papoila

JR

Adoro especiarias.

Gosto de testar os sabores, de os variar. Gosto de treinar o paladar da pequenina. Assim que ela teve luz verde para fazer as refeições da família, comecei a introduzir sabores novos, texturas diferentes. Quero acreditar que, assim, ela irá crescer saudável e curiosa pela alimentação e pela cozinha. Na Fibrose Quística, a nutrição pode ser um desafio, devido às dificuldades na absorção dos alimentos. Por isso, quero que, para ela, a nutrição seja um prazer. A melhor forma é começarmos cedinho e dando o exemplo!

 

Sempre que posso, cozinho as coisas que ela come, evitando ao máximo os produtos processados e embalados. Ao lanche, vamos variando entre iogurtes naturais (feitos na iogurteira), leite, pão, bolachinhas e bolinhos (preferencialmente caseiros!). Já há bastante tempo que andava a namorar a ideia de fazer um bolo de cardamomo. Acho-o um ingrediente fastástico, ficando óptimo em pratos salgados ou doces. Abuso dele no nosso golden milk. Gosto de cozer o arroz com algumas vagens à mistura, dando um toque oriental subtil, mas certeiro. 

Aparentemente, o cardamomo é rico em vitaminas e micronutrientes. Há quem afirme que tem propriedades pró-cinéticas, podendo ser um valioso aliado na digestão. Parece que contribui para o controlo da náusea. Encontrei, inclusivamente, um estudo que fala em propriedades broncodilatadoras atribuídas aos constituintes das suas sementes, principalmente, aos flavonóides. Os flavonóides estão amplamente presentes em várias frutas e plantas, sendo poderosos anti-oxidantes e anti-inflamatórios.

Mais uma vez, verdade ou não, não vejo inconveniente em utilizá-lo nas minhas receitas.

 

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Numa das minhas visitas habituais ao Miosótis, descobri a água de flor de laranjeira. Imediatamente pensei que deveria combinar lindamente com cardamomo. 

Et voilá, apresento-vos este bolo, testado e aprovado pela família!

 

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Bolo de cardamomo, flor de laranjeira e sementes de papoila:

 

Ingredientes:

- 175g de manteiga sem sal

- 200g de açúcar

- 225g de farinha

- 1 colher de chá de fermento

- 3 ovos

- 1 colher de sopa cheia de cardamomo em pó

- 3 colheres de sopa de água de flor de laranjeira

- 100 mL de leite de amêndoa

- 1 colher de sopa de sementes de papoila

 

Pré-aquecer o forno a 180º.

Unta-se uma forma de bolo inglês com manteiga e polvilha-se com farinha.

Numa taça grande, bate-se a manteiga e o açúcar até ficarem cremosos. Adicionam-se os ovos, um a um. 

Numa taça à parte, misturam-se os ingredientes secos: farinha, fermento e cardamomo em pó. Posteriormente, adicionam-se estes ingredientes secos ao preparado obtido inicialmente e bate-se bem até ficar homogéneo.

Acrescenta-se, depois, a água de flor de laranjeira e o leite de amêndoa.

Por fim, incorporam-se as sementes de papoila.

Leva-se ao forno, a 180ºC, durante 50-60 minutos ou até passar no teste do palito.

 

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E vocês, como usam o cardamomo?

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07 de Fevereiro, 2018

Carta de agradecimento à Burocracia Portuguesa

JR

Cara Burocracia,

 

Faz agora 14 meses que te enviei a primeira carta. 14 meses.

Na altura, com algum medo, lá escrevi aquelas primeiras linhas. No meio do turbilhão em que a minha vida se tinha tornado, foi difícil tomar aquela decisão. Mentira, corrijo. Foi uma decisão fácil e óbvia de tomar, foi difícil verbalizá-la. Torná-la oficial.

Como podes imaginar (permite-me a intimidade, mas já te sinto tão próxima), assim que pomos as coisas a andar, queremos é despachar o assunto! Já que ia mudar de carreira, de rumo, o melhor era fazê-lo logo! Não pensar demasiado, pelo risco de querermos dar dois passos atrás. Ruminar decisões importantes pode ser tóxico. Dá-nos tempo para ter saudades, para duvidar do futuro. E, acredita, gostava do que fazia! Mas, às vezes, as paixões que temos chocam entre si, anulando-se. Ganhou a paixão pela minha filha. Sempre acreditei que concordarias comigo mas, deixa-me insistir, demoraste demasiado.

 

Para alguém habituada a um ritmo incessante de trabalho, ficar tanto tempo à espera foi desesperante. Penso que todo o ser humano tem uma inclinação congénita para o queixume. Utilizei-o exponencialmente, difamando-te várias vezes. Porque eras lenta de mais, complicada! Querias papéis e mais papéis, querias que esses papéis fossem lidos e avaliados por várias pessoas...e bem! Concordo com a correcta avaliação das situações, não sou a favor de facilitismos. Mas, na era da tecnologia, custava-me compreender como é que esses papéis demoravam tanto a passar de mão em mão.

 

É por isso que te escrevo agora. Para te pedir desculpa e reconhecer que tudo na vida depende de perspectivas. Reconheço-o em retrospectiva. Substituo a revolta pelo agradecimento. 

Agradeço-te pelos 14 meses de espera.

Vejamos...

 

- Consegui acompanhar, diariamente, o crescimento da pequenina. Isso mesmo, todos os dias! Estive presente em todos os sorrisos, nos primeiros passos, nas primeiras palavras.  Não perdi, absolutamente, nada. Um privilégio, como podes calcular! A grande maioria das mães vê-se forçada a entregar, ao cuidado de outros, os seus bebés. Quantas internas se vêem pressionadas a terminar mais cedo a amamentação? Os olhares recriminatórios pelo horário reduzido como se de desleixe ou falta de interesse se tratasse? Que importância tem a família? Quem manda o interno ter família? O interno é um ser, idealmente, órfão. Órfão, solteiro e infértil. O tapa buracos. Deste-me os dois primeiros anos de vida da minha filha. Ser-te-ei, eternamente, grata.

 

- Consegui vigiar a saúde dela. Planear as refeições, dividir as enzimas pancreáticas com calma. Escolher os ingredientes e as calorias. Consegui controlar o ambiente em que ela cresceu, adaptando-o às necessidades e intercorrências.

 

- Estudei muito a Fibrose Quística. Tive tempo para, inconscientemente, negar a doença para, depois, conseguir aceitá-la. Tudo isso é um processo e todos os processos levam tempo. Mas, em 14 meses, consegui actualizar-me! Consigo perceber onde estão as falhas, os perigos. Sei o que precisa de mudar e a urgência com que deve ser mudado. 

 

- Foi-me possível abrandar o rítmo de vida. Parar e fazer o ponto da situação, repensar prioridades. Consegui redescobrir-me de outras formas, encontrar novas áreas de interesse. Tive tempo para ler muito, ao sabor da curiosidade e dos apetites (mérito do sono irrepreensível da bebé, que sempre me deu noites inteiras). Ao parar, conseguimos observar o pormenor. São os pormenores que tornam as nossa vidas únicas.

 

- Escrevi. Voltei a escrever. É a minha forma de paz.

"A literatura era o que acontecia ao seu autor quando se detinha, permanecendo imóvel, enquanto todos os outros continuavam a dobrar esquinas (...)". (a)

 

- Devo-te a meia-maratona. Sim, consegui correr uma meia-maratona! Deste-me tempo e calma para seguir um plano de treinos e tempo para, depois, recuperar do esforço. 

 

Podia continuar...tenho a certeza que conseguia espremer mais positivismo desta experiência. Quando, a princípio, achava que tinham sido 14 meses desperdiçados, apercebo-me da realidade. Ganhei-os. Vivi-os. Vivemo-lo juntas, eu e ela. Podia continuar a queixar-me da tua inércia e lentidão. Podia. Mas aprendi a ver a vida de outra forma (mérito da vida em si e do meu marido, um visionário). Perdemos coisas. Ganhamos outras.

 

De qualquer forma, agora que resolveste dar sinais de vida, não demores muito mais. As coisas entraram nos seus eixos, o destino segue o seu caminho. E eu estou pronta. Já posso ir trabalhar?

 

Com a nostalgia de uma despedida antecipada (duvido, porém, que definitiva),

Despeço-me cordialmente,

 

JR

 

 

(a) - in "Biografia involuntária dos amantes" de João Tordo.

 

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03 de Fevereiro, 2018

A viagem - uma história #8

JR

Setembro de 2012

 

VIII

 

Desta vez, custou-me seguir em frente. Mas, Brangança esperava ansiosamente pela minha chegada. Antes de deixar o Côa e o Douro, com a nostalgia de uma despedida, fui comprar duas garrafas de vinho às caves de Pocinho e subi, sorvendo a paisagem, ao miradouro de Santa Bárbara, em Mós. O resto do caminho foi perdendo a beleza sem igual do Douro. A maior parte das estradas até Bragança parecem estar em obras intermináveis, sendo um aglomerado de betão, alcatrão e poeira castanha que me sujou o carro. A meio caminho, parei em Mirandela. Paragem estratégica para almoçar uma das suas famosas alheiras. O empregado de mesa, sempre brincalhão, lá me trouxe um fabuloso exemplar com todas as calorias a que tinha direito. Perguntei onde podia comprar aquelas mesmas alheiras, dirigi-me à loja indicada e lá vim eu, contente, com o meu petisco no porta-bagagens.

 

Chegar a Bragança foi um alívio! Tinha conseguido! Cheguei ao norte de Portugal! Quase a tocar Espanha! 

A pousada da juventude estava, pela primeira vez, repleta de gente, brasileiros em maioria. Jovens acabados de chegar para um ano de Erasmus. Trocámos umas palavras enquanto eles bebiam cerveja portuguesa, prontos a iniciar mais uma noitada de fim-de-semana. Lembrei-me, com nostalgia, dos meus primeiros tempos em Praga, naquele já longínquo ano de 2008.

Bragança é atravessada por um rio que parece estar a morrer, com pouca água estagnada. De qualquer maneira, tem um centro histórico acolhedor, que  me recebeu alegremente naquele fim de tarde. Acabei por me juntar à população numa das muitas manifestações contra a austeridade que decorreram por todo o país. Esta, muito mais modesta, mas com o mesmo empenho e indignação. Ouviram-se palavras de ordem, cartazes espalhados ao longo da praça, caras sérias e tristes. Numa das maiores manifestações que o país viu desde 1974, fiquei orgulhosa do povo português, da nossa perseverança e pacificidade, da nova geração que se levanta e luta por um futuro neste país que, apesar de pequeno, se eleva em beleza, história e determinação. O meu país que agora descubro.

 

Janto uns noodles rápidos e baratos, preparados na cozinha do alberguista, enquanto ouço as conversas animadas dos brasileiros, contando as suas peripécias. Parece que acabei de entrar numa das muitas telenovelas que passam, diariamente, nos canais portugueses.

 

 

Cheguei a Praga às seis da manhã. Lembro-me, perfeitamente, da primeira vez que a vi, naquela manhã fria e cinzenta, da janela do carro de Petr, o nosso buddy que, gentilmente, nos foi buscar ao aeroporto. Começava o meu ano de Erasmus, aquele que foi dos marcos mais importantes da minha vida, o grande ponto de partida para a minha independência. 

 

Hostivař é uma das zonas da periferia da cidade e é uma zona feia. Ficamos alojadas na residência universitária, um conglomerado de edifícios brancos e azuis, autênticos caixotes cheios de janelas. Mas, na verdade, aquele corredor do 6º piso foi o sítio mais acolhedor que podíamos ter encontrado. Rapidamente, formamos a nossa pequena família: portugueses, espanhóis, franceses e uma polaca. Tornámo-nos inseparáveis. Até hoje.

 

Praga é um conto de fadas. Relembro, inúmeras vezes, aquelas ruas pequenas de edifícios restaurados, coloridos, intricados. Acordávamos sempre de manhã cedo, ainda escuro, e fazíamos 40 minutos no tram 22 até o nosso hospital. Parece que ainda sinto o frio doloroso na cara, o reclamar dos ossos e o barulho dos pés ao pisar a neve fofa acabada de cair das nuvens. Tiritávamos de forma incontrolada, apesar do gorro enfiado até ao pescoço, do casaco apertado ao máximo e das luvas nas mãos. Mas Praga nevada, em plena época de Natal, com os seus Christmas´markets ficará, para sempre, na minha memória. O cheiro do trdlo acabado de fazer, o fumegar do hot wine nas nossas mãos e um grupo animado de Erasmus a cantar múscias de Natal por baixo de um pinheiro iluminado gigante.

Fiz, em plena Europa central, dos melhores amigos que levo comigo para a vida. Foi lá que cresci, que conheci mundo! Tudo nos era possível, tínhamos a liberdade nas mãos e vontade de a experimentar ao máximo. Em poucas horas eram decididas e planeadas viagens e, dias depois, lá estávamos nós a entrar para um autocarro, de mochila às costas e aventura como destino. Outras vezes, já fartos do frio da neve, ficávamos sentados, pela noite dentro, na carpete suja do corredor, a provar as deliciosas iguarias de vários países, acompanhadas pelo habitual meio litro de Kozel ou Pilsner fresquinhas. Viajávamos, apenas, nas nossas conversas, no partilhar de histórias e de diferentes culturas. Estar em Erasmus é estar no mundo inteiro ao mesmo tempo.

 

É difícil resumir um ano como aquele, em que tanto aconteceu e em que tudo mudou. Eu mudei. Fui para lá sem conhecer ninguém. Ia habituada à rotina de Coimbra, ao vaivém das festas académicas, dos encontros na Praça da República, da família perto. E, de repente, aterrei naquela cidade estranha, rodeada por milhares de jovens estrangeiros, cada um com o seu inglês de sotaque engraçado. Saí de lá com a certeza de que sou capaz de sobreviver, que me consigo adaptar às circunstâncias. Praga abriu-me as portas do mundo e despertou-me a curiosidade e a vontade de fazer mais, conhecer mais, saber mais. Ser mais.

 

***

 

Senti uma felicidade incontrolável quando te vi chegar naquele avião. O abraço apertado que me deste, que me elevou do chão por segundos, trouxe-me o Portugal que tinha deixado para trás. Queria mostrar-te tudo, partilhar aquele meu novo país contigo, mostrar-te o meu corredor, a neve nos telhados, as casas, as caras. Tinha saudades tuas. Tive sempre saudades tuas, apesar de adormecer, todas as noites, com a tua fotografia colada na parede ao lado da cama, perto da almofada.

 

E, portanto, lá estavas tu no meio da neve, com o gorro branco que te tinha dado enfiado na cabeça e o teu casacão de quadrados. Gostava de te ver lá, com o teu sorriso familiar de dentes que não se tocam, sentado no banco da frente do tram. Fazia todo o sentido estarmos juntos e, naqueles primeiros dias, Praga foi perfeita contigo. Tinham-se passado 6 meses desde a nossa despedida. Naqueles dias, enquanto olhava para ti, tive a certeza de que nunca nos iríamos separar. Não consigo explicar como, mas essa certeza cresceu em mim, minuto após minuto, na felicidade estonteante de te ter lá e de te querer lá. Foi uma certeza que se insuflou, cresceu, ganhou altura...

 

...e depois se estatelou no chão. É engraçado como as coisas mudam em instantes. Lembro-me tão bem desse momento em que deixei pousar, descontraidamente, os meus olhos na tua conversa virtual. O coração assustou-se e o corpo gelou. Não estava a compreender. Não queria compreender.Não era possível. Não. Não podia ser. Olha para mim, não vês? Sou eu. Eu. Era suposto ficarmos juntos, não sentes? Sentes. Dás-me as mãos. Abraças-me. Explicas. Desculpa as lágrimas, mas não as consigo controlar. Tremo. Lembras-te de como fomos felizes antes? Não me perdoas nunca e eu diminuo-me no teu abraço. Culpas-me. Culpo-te. Culpo-me. Vê como Praga se tornou feia. Vê como chove e eu não me importo. Tudo é cinzento do alto de Petřin e as ruas passam rápido pela janela do tram e não as vejo. Não consigo ver nada. Sinto apenas o nó na garganta e o erro em que tornámos o futuro.

Não vás ainda, dá-me a tua mão. O futuro vem depois e estás aqui. Ainda somos os mesmos hoje. Amanhã começamos a andar em sentidos opostos. Vamos fingir que tudo está bem. Lembras-te de como ríamos juntos? A tua face esquerda, a minha preferida. O alto na tua sobrancelha por causa do piercing. Os teus ossos salientes. O tempo passou. Voltamos atrás?

 

Se não fosse Praga, talvez ainda estivéssemos juntos. Aquele ano separou-nos definitivamente. Ganhei Praga e perdi-te. Naquela manhã, acordamos e levei-te ao aeroporto. Lembro-me que fizemos aquele caminho em silêncio, olhos nos olhos, de mãos dadas nos solavancos do autocarro, com a tua mala aos nossos pés. Conhecia-te tão bem...! Os teus olhos, o teu modo de olhar, o lábio inferior mais saliente. Deste-me o último beijo antes de embarcares. O último beijo da nossa história. Não houve mais carinho entre nós. Aquele avião levou-te.

 

 

To be continued...

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