Relatos de uma meia maratona
Não é novidade que fui correr a meia-maratona de Lisboa pela equipa da Associação Nacional de Fibrose Quística (ANFQ). Como referi num post anterior, não costumo (costumava?) correr regularmente, apenas o fazia de tempos a tempos, quando o acumular de inércias somadas me pesava na consciência.
Naquela manhã, valeu-me a companhia da minha irmã mais velha que, também sem experiência prévia, prontamente se juntou a mim nesta empreitada.
Acordamos cedo, por volta das 6 da manhã, preparadas para tomar o nosso pequeno-almoço nutricionalmente planeado. Estavamos entusiasmadas e bastante confiantes! Os últimos treinos tinham corrido bem, estavamos as duas mais resistentes.
Saímos, ainda ao amanhecer, para apanhar o metro até ao Parque das Nações, ponto de encontro da nossa equipa. Já nessa altura se antevia o calor do dia. Às 7 e pouco da manhã, estava uma brisa morna, o ar um pouco abafado. Ao entrarmos na estação de metro, fomos encontrando cada vez mais gente de dorsal numerado. Os nossos camaradas! À medida que nos aproximavamos do local da partida, um nervoso miudinho ia-se instalando.
O Parque das Nações estava repleto de corredores de inúmeras nacionalidades! Sorridentes, afáveis, determinados. Pouco tempo depois, apanhamos o autocarro que nos levaria até à ponte Vasco da Gama. Fomos rodeados pela Team Diabetes, do Canadá - todos rigorosamente preparados!
O ambiente na ponte é fenomenal! A paisagem indescritível. Ao som de música alta, lá nos fomos aglomerando, prontos para a partida. Eu, cada vez mais nervosa, ansiosa por correr, sem saber bem o que esperar. Lá ao longe, conseguíamos ver metade do nosso trajecto. Parecia impossível alcançá-lo...!
Não havendo por onde fugir, às 10h30 lá partimos!
Toda a gente em festa, cada um a encontrar o seu ritmo. Eu e a minha irmã separamo-nos logo ao início, cada uma concentrada na sua passada. Tento desligar-me das restantes pessoas, controlar a respiração, seguir o ritmo dos treinos, olhando para o relógio. Sem pressas, sem exigências desmedidas. O sol alto sem dar tréguas, reflectindo no asfalto da ponte. Subida ligeira. Ainda muita gente a conversar animada ao meu lado, era difícil concentrar-me. Mas, lá saímos da ponte, descemos e começamos a aproximar-nos do Parque das Nações. Estava cansada, mas um cansaço ainda suportável e dentro do que estava à espera. Pouco depois dos 6 Km o calor começa a ser demasiado real. Parece que todo o meu corpo o absorve.
Em termos psicológicos, a prova em si é mais exigente: está sempre alguém a ultrapassar-nos, estamos constantemente a sentir-nos a ficar para trás. Mal nos apercebemos que, nós também, estamos a ultrapassar alguém! Na verdade, começamos a questionar aquilo a que nos propusemos.
Encontro, finalmente, água. Bebo o que consigo, despejo o resto por cima de mim e continuo.
Ao longo do percurso, vários palcos com concertos de música Rock vão reavivando as passadas. Perto dos 10 Km, encontro a minha irmã e seguimos parte do caminho juntas. Por volta desta altura, sinto-me a derreter. Os quilómetros parecem esticar. Parece-me impossível ainda ter meio caminho pela frente. Entre os 12-13 Km estamos em plena Avenida Infante D.Henrique. Não há uma única sombra. Estou bem atrás do tempo de treino. Sigo uns metros a andar. Tomo o gel energético. Anseio, desesperadamente, por mais água. À minha volta, já quase ninguém conversa. Silêncio, para além das passadas dos restantes. Ganho coragem, retomo algumas forças e volto a correr.
Entre os 15-16Km, aproximamo-nos da Praça do Comércio. Tenho, permanentemente, sede. Não sinto os pés, os músculos das pernas ardem. Nesta altura sei que já estou a correr há cerca de 2h30m, muito mais do que esperava. Tenho 30 minutos para chegar à meta e ainda tenho a Avenida da Liberdade para subir. Não suporto o sol. Tenho a certeza de que não vou conseguir. Não paro. Corro.
Em plena baixa lisboeta temos, várias vezes, que nos ir desviando de pessoas que andam pela estrada, não sei se corredores ou meros turistas. Volto a andar, passo rápido. Penso em desistir, sentar-me no passeio e ligar a alguém para me vir buscar. Continuo.
Ao passar o Marquês de Pombal inicio o trajecto final, agora em descida. Tenho mais 2-3 Km pela frente. Vejo o relógio que marca 2h48m. Ganho coragem e corro, corro, corro. Num pequeno golpe de esperança, acho que ainda consigo chegar à meta antes das 3h e levar, orgulhosa, a medalha à minha bebé. Pouco me lembro desta etapa. Sei, apenas, que cheguei à meta em sofrimento visível, passando-a após 2h56m de corrida.
Consegui.
Procuro a primeira sombra disponível e sento-me a comer, sôfrega, um calipo de laranja que nos entregaram na meta. Peço ajuda e espero pelo meu marido. Encontramos a minha irmã, também ela exausta mas feliz por ter acabado! Nenhuma de nós se consegue levantar durante alguns minutos.
Após muito esforço, lá tentamos caminhar até ao primeiro taxi disponível. Entramos e adormecemos instantaneamente.
Ao chegar a casa, entrego a medalha à minha filha. Como uma banana, tomo um duche e vou dormir pouco depois. Estou, completamente, esgotada.
Só mais tarde, ao acordar um pouco melhor, consigo apreciar a surpresa incrível que o meu marido tinha à minha espera. Sempre acreditou em mim. Ele é único.
Naquele dia disse, a alto e bom som, que nunca mais ia repetir tal proeza. Tinha sido uma experiência incrível, tinha superado os meus limites e alcançado o meu objectivo: levar a t-shirt da ANFQ ao longo de 21,1km. Mas nunca mais o iria repetir.
Duas semanas depois, começo a sentir uma inquietação qualquer. Quase como que um chamamento, uma vontade.
Se consegui correr esta meia-maratona em 2h56m, porque não tentar 2h30m no próximo ano?
Vamos, Nani?