Know your enemies #1 : a Pseudo que me dá cabo da Mona
Também conhecida por Pseudomonas aeruginosa.
Quando temos um filho com Fibrose Quística (FQ), aquilo que mais nos apetece fazer é fingir que somos avestruzes e esconder a cabeça na areia. Esquecer que ela existe. Pura e simplesmente. Mas, a verdade, é que a FQ não vai desaparecer. Vamos ter que lidar com ela, diariamente. E, acima de tudo, vamos ter de ensinar os nossos fihos a viver com ela, em paz. Temos de lhes dar as ferramentas, para que possam eles próprios, um dia, assumir o comando dos seus tratamentos, tomar as suas opções informadas.
Com isto em mente, sacudi a areia da cabeça e assumi o meu estatuto de ser humano. A melhor forma de combatermos os nossos inimigos é conhecê-los de gingeira. Sabermos da sua existência, onde estão, quais os seus pontos fortes e quais as suas fraquezas. Foi isso que tentei fazer quando decidi estudar a doença. Procurei artigos, revistas científicas, livros técnicos, cursos, associações...etc etc. Admito, sempre gostei de estudar. E que motivo mais forte que este?
A Pseudomonas aeruginosa é dos microorganismos mais frequentes (e temidos) em doentes com FQ. Uma infecção crónica por esta bactéria acaba por se desenvolver na grande maioria dos doentes - cerca de 80% da população adulta está infectada. A presença desta bactéria, de forma crónica, acaba por afectar negativamente a função pulmonar.
Não é por acaso que isto acontece. Esta bactéria tem uma enorme capacidade de adaptação, conseguindo modificar-se, mesmo do ponto de vista genético, de forma a conseguir resistir em ambientes hostis.
Na maioria dos casos, os primeiros isolamentos de Pseudomonas são feitos ainda na infância. Nesta primeira fase, a toma dos antibióticos adequados consegue, quase sempre, erradicar a bactéria. Ao longo dos anos, a bactéria vai-se, então, adaptando às condições das vias aéreas, desenvolvendo estratégias que lhe permitem "fugir" aos antibióticos. Isto culmina, a certo ponto, numa infecção crónica - as infecções agudas vão sendo controladas, mas não se consegue erradicar a bactéria dos pulmões.
O objectivo? Atrasar, ao máximo, esta infecção crónica.
Felizmente, a investigação científica na área da FQ tem sido estonteante. Muito graças à Indústria Farmacêutica, que tem desenvolvido medicamentos novos, a um ritmo acelerado, o que permitiu aumentar a esperança média de vida em décadas. Isto num espaço de tempo de cerca de 40 anos. Só me ocorre agradecer.
Os antibióticos que têm sido desenvolvidos, alguns já nebulizáveis, são cruciais no controlo desta infecção. E a investigação continua, tentando destruir a "armadura" que estas bactérias formam. Muita da investigação passa, até, pelo aprofundamento do conhecimento das bactérias que habitam os pulmões destas pessoas.
Mas, então, onde é que a Pseudomonas está?!
- na grande maioria dos casos, nos hospitais. Grande parte das infecções são adquiridas em meio hospitalar, pois não é uma bactéria que esteja, em condições normais, no ser humano. É também, em contexto hospitalar, que as bactérias desenvolvem, com maior rapidez, resistência aos antibióticos. É de maior importância redobrar os cuidados quando se vai ao hospital - lavar as mãos, lavar as mãos, lavar as mãos. Vezes sem conta. (Levo sempre o desinfectante de mãos; a roupa que vai ao hospital é lavada de imediato; evito que a bebé brinque com os brinquedos do hospital; os sapatos da rua já não passam do hall de entrada de nossa casa).
- noutros doentes com FQ. Sim, é verdade. Os doentes com FQ não devem contactar entre si - transmitem com facilidade as bactérias uns aos outros. Na maioria dos centros especializados, as consultas dos doentes são separadas por dias, consoante as bactérias isoladas nas suas colheitas de expectoração. Existe evidência científica de que este procedimento, tão simples e elementar, melhorou bastante os resultados a longo prazo.
- no meio ambiente. Sim, ela anda por aí, principalmente em locais húmidos e quentinhos. É uma bactéria capaz de formar o chamado biofilme, uma espécie de "carapaça" que lhe permite aderir mais facilmente às superfícies, dificultando a sua erradicação. Esta bactéria foi encontrada em:
- humidificadores domésticos;
- parques aquáticos e piscinas públicas ou privadas; (utilizar piscinas com manutenção de confiança)
- saunas, jacuzzis, spas; (evitar)
- casas com problemas nas canalizações;
- rios e lagos; (evitar praias fluviais)
- frutas, vegetais e saladas; (lavar muito bem com água corrente)
- terra; (lavar muitos bem as mãos depois de mexer na terra/alimentos com terra)
- roedores e cavalos. (evitar contacto ou contacto controlado)
Saber onde a podemos encontrar, dá-nos uma maior sensação de controlo. Dá-nos mais hipóteses de a contornar, durante mais tempo. Permite-nos ensinar melhor os nossos filhos, desde cedo. Permite-nos pensar, antecipadamente, em alternativas.
Morre, bicho esverdeado.
Bibliografia:
- "Mandell, Douglas, and Bennett's Principles and Practice of Infectious Diseases" updated edition, 221, 2518-2531.e3 - capítulo: "Pseudomonas aeruginosa and other Pseudomonas species".
- Chronic Pseudomonas aeruginosa infection definition: EuroCareCF Working Group report; T. Presslera et al - Journal of Cystic Fibrosis Volume 10 Suppl 2 (2011) S75–S78
- Travelling with cystic fibrosis: recommendations for patients and care team members; T.O.Hirche et al; Journal of Cystic Fibrosis 9 (2010) 385-399
- Curso online: Managing the care of children and adults with Cystic Fibrosis - Royal Brompton & Harefield- Imperial College London.