- Já repararam que a maioria do salmão que nos é vendido é de aquacultura? Terá isto alguma consequência? O que é que andamos a comer, afinal?
Em criança não gostava de peixe. Na verdade, não gostava de comer aquilo que era considerado saudável. Era uma criança normal, portanto. Mas isso mudou. Hoje em dia, feliz ou infelizmente, gosto de comer. Ao logo dos anos, tenho preferido o consumo de peixe ao consumo de carne, seguindo as directrizes de uma alimentação saudável. O salmão é, sem dúvida, dos peixes que mais gosto. Era frequente ter em casa salmão fumado para as saladinhas, postas de salmão para grelhar ou lombinhos de salmão para levar ao forno. Uma delícia!
Recentemente, dei de caras com um documentário sobre peixes de aquacultura. Até então, nunca me tinha preocupado com a origem dos peixes que comprava. Mas isso mudou, radicalmente! - Quem quiser perder cerca de 1 hora a ver o documentário em inglês (o que recomendo!) pode fazê-lo aqui.
A reportagem incide, primariamente, sobre dois peixes de aquacultura e dois países diferentes.
1. Panga - Vietnam.
São dos peixes mais baratos hoje em dia, vendidos frescos ou em filetes congelados. Por serem tão baratos, são muito frequetemente servidos em cantinas escolares. O Vietnam é dos principais exportadores e, a maioria, provém de aquacultura. Na reportagem, é feita uma visita à cultura do Mr. Min também conhecido, localmente, por Panga King . Na sua fish farm ele tem cerca de 350 lagos com 300.000 pangas por lago (!) - mais peixes do que pessoas em todo o Vietnam!..
Tamanha concentração de peixe promove a rápida propagação de doenças, gerando verdadeiras pandemias. Como consequência, altas doses de antibióticos são deitadas nos lagos mais vezes do que seria recomendável, o que leva a que as bactérias desenvolvam resistências. Torna-se um ciclo vicioso: doses cada vez maiores de antibióticos que apenas fazem cócegas aos bichinhos. Adicionalmente, para controlo de pragas, também são despejados pesticidas nas águas dos lagos. Não contentes, essas águas provêm, muitas vezes, do próprio rio Mekong, um rio poluidíssimo...
Na sua fábrica, milhares de trabalhadores mal pagos cortam um filete a cada 10 segundos e, posteriormente, mergulham-nos em água com polifosfatos para que sejam congelados mais rapidamente. O resultado final: um peixinho sem cheiro e sem sabor o que, segundo o Mr. Min, é uma vantagem - "adquire o sabor das especiarias que lhe são adicionadas".
Vai um filetinho? Hm...acho que não.
2. Salmão - Noruega.
Este, sim, é o principal alvo da reportagem. Apelidado de alimento mais tóxico do mundo por Kurt Oddekalv, membro dos Green Warriors of Norway, um grupo ambientalista que pretende desmascarar este grave problema de saúde pública europeu. Nenhuma fish farm norueguesa abriu as portas aos jornalistas, mas vários anos de investigação por estes "guerreiros" culminaram em descobertas dantescas. Também aqui, quantidades astronómicas de antibióticos e pesticidas são lançadas nas águas. Os salmões "cultivados" têm vindo a acumular diversas mutações genéticas ao longo do anos. São também peixes com muito mais gordura devido à alimentação que lhes é dada e é, precisamente, nesta gordura que a grande maioria das toxinas se acumula. Quanto mais gordo o peixe, maior quantidade de toxinas e resíduos químicos.
Um estudo de uma Universidade Norueguesa analisou diversos alimentos e descobriu que o salmão de cultura é o mais tóxico (5 vezes mais, precisamente) e que os ratos alimentados com este salmão apresentaram depósitos corporais de gordura consideravelmente maiores, tornando-os obesos e diabéticos. A surpresa final: o que torna o salmão da noruega mais tóxico não são os antibióticos e pesticidas mas sim .... (suspense) ...a ração seca que é dada aos peixes!
Lá vai o jornalista, que nem detective, até à Dinamarca visitar uma das maiores fábricas de ração para peixe. Aqui descobre várias coisas.
A ração é feita a partir de peixe gordo fresco (enguias, para ser mais específica) pescado no Mar Báltico - um dos mares mais poluídos do mundo! Aqui, fábricas despejam, diariamente, os seus resíduos químicos contaminando o ecossistema. As águas do Mar Báltico só são renovadas a cada 30 anos. Pobres peixes...
Enfim, este peixe é totalmente impróprio para consumo e é, portanto, desviado para a produção de ração seca que vai alimentar os salmões que, por sua vez, vão...ser consumidos por nós. Não vai dar ao mesmo?
Para além disso, resolveram adicionar um pesticida à ração, a etoxiquina, desenvolvida pela famosa multinacional Monsanto.
A etoxiquina é utilizada na preservação de frutas e vegetais, onde a sua quantidade máxima é regulamentada. Contudo, na indústria do peixe, não existe qualquer regulamentação e ela aparece em quantidades 10 a 20 vezes superiores ao desejável. Esta é uma substância virtualmente inexistente em peixes selvagens.
Uma investigadora norueguesa, que trabalhava na NIFES (National Institute of Nutrition and Seafood Research), na sua tese de doutoramento, estudou os efeitos da etoxiquina no corpo humano. Descobriu que esta substância consegue atravessar a barreira hemato-encefálica (barreira que protege o cérebro de produtos externos ao organismo) sendo, portanto, neurotóxico. Para além disso, tem um efeito carcinogénico provável. Após estas descobertas, admiremo-nos: foi convidada a despedir-se (por vontade própria, oficialmente). Desde então, tendo perdido o seu estatuto de investigadora, nunca conseguiu publicar o seu estudo.
O próprio ministério norueguês da pesca, através da Srª Ministra Lisbeth Berg-Hansen, cortou o financiamento para os estudos da etoxiquina. O facto desta senhora ser sócia maioritária da JMJ Invest que, por sua vez, é detentora de 10,93% de uma das maiores fish farms norueguesas deve ser pura coincidência. Tal como os restantes sócios serem membros da sua família.
Isto há coisas na vida...!
E foi assim que, ao abrir o frigorífico, olhei o saboroso salmão fumado nos olhos. Não tive outra alternativa...